quinta-feira, 27 de abril de 2017

Saudade


Desse-se o caso de a saudade enrugar, dir-se-ia que a que me acompanha e que comigo divide a existência era já vista, pelo menos, como bem entrada na idade.
A minha saudade é uma saudade adulta, bem alimentada pelo tempo e assaz nutrida pelo espaço. O distanciamento a que me sujeitei foi-lhe engordando as ilhargas, obrigando-a, hoje, a expandir-me o peito num sofrimento antigo, ao qual, por devoção, não quero dar tréguas.
Sempre lhe dei toda a atenção que, julgo, merece, mas reconheço que a minha saudade é daquelas que lacera, que faz questão de, a cada dia, se fazer notar com maior intensidade.
Não sei se se pode chegar a morrer de saudade, mas duvido, também, que se possa designar de viver uma coexistência assim, quase insuportável.
Não quero com isto dizer que, podendo, a extinguiria em mim.
NÃO! ISSO NUNCA!
É a saudade que me aguça a memória. É ela que me afia o lápis dos sentidos e me redesenha cada rosto, cada expressão, cada momento vivido e que vale a pena ser recordado.
A saudade que me habita não é de cá, não tem endereço aqui. Não se quis ilhoa, nem creio que alguma vez se venha a ilharizar. A minha saudade cresceu e vive clandestina, tem o seu próprio tempo e o seu próprio espaço.
A minha Saudade.

Telmo R. Nunes

26 de abril de 2017

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Janela da Memória

Vejo-me na Praça Dr. Luís, a chegar ao antigo edifício da Câmara Municipal e lanço-me até à janela da minha infância: a mais baixa e mais à esquerda para quem sobe a antiga escadaria que se ergue desde a estátua da Venerável Sílvia Cardoso.
Paro.
Varrido pela lembrança, recordo, com nostalgia, as inumeráveis vezes que lá me dirigi em busca da figura materna que, do outro lado do vidro e por mais de três décadas, ali se debateu pelo conforto das nossas vidas. Umas vezes, rogando-lhe moedas com sabor a morango fresco e baunilha crocante, outras, por intuitos de somenos importância, e de que agora não tenho memória.
Chegado ao limiar da janela, que erradamente recordava de guilhotina, percebo que já não preciso subir ao beiral inferior da fachada para vislumbrar o interior de toda a sala. O tempo encarregou-se de me poupar a esse esforço. Aproximo-me e percebo, com alguma tristeza, a madeira corroída e implacavelmente pelada pela força dos elementos. Num toque que busca outro tempo, deslizo os dedos pela ombreira e noto que caem por terra lascas de madeira solta e gasta, adornadas, ainda, por um verde que é escuro, salpicado por memórias de uma infância feliz.
Sentindo os pés assentes num chão que é o meu, perpasso a nobreza do edifício e corporizo a memória do mais intenso contentamento: vislumbro o velhinho Carvalho de Paços! Ele, que conta com mais de três séculos, guarda segredos e memórias para sempre caladas, e resiste, estoicamente, ao passar do tempo.
Ao contrário dos gladíolos de Sophia, o meu Carvalho jamais deixará de estar na moda. Dado como morto três ou mais vezes, outras tantas foi trazido à vida pela feitiçaria mais bondosa de que há conhecimento, e foi, em boa hora, imortalizado na heráldica pacense. Dizem que de lá do alto interpreta a “firmeza e longevidade” do meu povo.
Pois que assim seja!
Telmo R. Nunes

19 de abril de 2017

quarta-feira, 5 de abril de 2017

A propósito da obra "30 Crónicas", de Emanuel Jorge Botelho

"30 Crónicas"  Vol. I e II
Emanuel Jorge Botelho com ilustrações de Urbano
Letras Lavadas | Artes e Letras 
Consta que os primeiros marinheiros que cá chegaram, deram a ilha como desabitada.
Redondo engano.
Deus já cá estava. Há muito tempo. 

Escritas pelo professor Emanuel Jorge Botelho, estas crónicas surgem-nos como um verdadeiro mapear de vivências tidas ao longo dos anos e em primeira pessoa: umas derivadas desde a memória da infância, outras tidas a partir da idade adulta, e sempre acolhidas geograficamente pela bela cidade de Ponta Delgada... Pautadas por temas recorrentes como afinidade paternal, o vínculo psicológico ao mar e sempre a relação com Deus, Emanuel Jorge Botelho oferece-nos um manancial de textos escritos em uma prosa poética como há muito não lia, e ao alcance de muito poucos... Uma belíssima surpresa!

segunda-feira, 3 de abril de 2017

O Leitor

.::Imagem retirada a partir do Google::.
“Banham-se, depois ele lê, ela escuta, e finalmente fazem amor” – eis o ritual de Michael Berg e Hanna Schimitz, um atípico casal alemão do final da década de 60. Ele, um rapaz de tenra idade, adolescente apaixonado por uma mulher madura e sexualmente bem mais experiente. Ela, mais velha, autoritária mas possuidora de uma beleza física invejável. Eis o mote à obra de Bernhard Schlink, recentemente adaptado ao cinema.
É uma história de amor condenada à partida. Brota de uma natural casualidade e prolonga-se no tempo obedecendo cabalmente a um conjunto de rituais em relação aos quais se luta para que não se alterem. Tem o seu término com o abrupto desaparecimento de Hanna. Só anos mais tarde e numa localização espácio-temporal muito pouco provável se voltam a encontrar, reacendendo uma chama há muito aligeirada, mas nunca extinta…
É um livro essencialmente marcado pela sua história. De facto, o desenrolar do enredo cria no leitor uma vontade imensa de continuar, faz emergir imagens e conduz a imaginação a hipotéticos acontecimentos. É um relato cativante.
Outra vertente que me agradou foi, sem dúvida, o relato de um período histórico/político fascinante. A ocupação Nazi, a II Grande Guerra, os dolorosos campos de concentração. Tudo ingredientes a uma reflexão intimista e cruel sobre a legitimidade de uma geração, ou até mesmo de um povo.
É realmente uma história extraordinária!
Contudo, não partilho da opinião da crítica em geral que o classifica numa frase: “brilhantemente pensado e escrito” - Parece-me demasiado... É certo que se trata de relato pessoal e por demais marcado pela proximidade do autor ao narrado, mas julgo que se impunha um pouco mais de aprumo lexical e um estilo mais “elegante”… Tivessem esses cuidados, entre outros, e fariam deste um livro de referência na Literatura Alemã.

Telmo R. Nunes
30/Outubro/2009

sábado, 1 de abril de 2017

Primavera

Primavera
o mar,
o céu, 
a flor e alma
aperaltam-se 
                   ...conferindo mais beleza à Primavera!